sábado, 25 de outubro de 2008

O sorriso da morte.

Sempre soube que morreria, afinal essa é a desgraça inerente a todos os seres vivos, essencialmente a de guerreiros como eu (para mim, Lord Voldemort era uma exceção a regra). Mas nunca parei para pensar como ela de fato se consumaria. Talvez estivesse trassado e fosse óbvio que aconteceria em um campo de batalha, em meio a inúmeras poças de sangue e corpos de outras pessoas. Era uma mulher pouco sensata, fria e a paixão não mútua era o único sentimento que me inquietava. Não obstante, meu primeiro impulso foi o de agarrar-me cegamente à ilusão da imortalidade.
Meus olhos negros e muitas vezes vidrados estavam acostumados com aqueles jorros de luzes multi-coloridos e estavam igualmente acostumados com a morte, mas choca-me, no entanto, o fato de que não estive nenhum um pouco preparada para a minha própria morte. A vira de perto, a presenciara inúmeras vezes, porém a morte sempre se aproximara como uma amiga sorridente que levava para longe da vida aqueles que eu decidia não merecer habitar entre nós.
No entanto, naquele fim de noite, a morte me sorriu irônica. De longe ela me observava e me rondava, vagarosamente, como uma fera que cerca a sua presa. Faz parte da decência da Morte surgir sem se fazer anunciar, o rosto coberto com as mãos oculta, num momento em que era menos esperada. Mas eu não estava disposta a me render. Havíamos chegado tão perto e travávamos, com certeza, a última batalha antes de o Lorde das Trevas ascender de uma vez por todas ao poder. Mas a morte, companheira daqueles que a desafiam, estava lá, brandindo a sua foice e olhando-me diabolicamente. Consumia-me devagar.
O que três adolescentes poderiam fazer contra mim? Que poderes uma sangue-ruim, uma traidora de sangue e uma retardada que acredita em nargolês poderiam ter para me enfrentar? Eu duelava tão bem quanto as três juntas e sabia que em breve a minha amiga morte as levaria também. E seriam três escórias a menos para enfestar o planeta. E eu prosseguiria com a minha nobre missão ao lado Dele.
Eu vira o corpo de Harry Potter explodir no ar e bater de encontro ao chão, mas antes que eu pudesse comemorar, vira o mesmo acontecer com Lord Voldemort. Assim que a maldição da morte acertou o garoto, o Lord das Trevas também caíra por terra. No momento, não conseguira entender o que havia acontecido e temi que Potter o tivesse derrotado mais uma vez. Não suportaria mais quatorze anos longe do meu mestre. Não suportaria perdê-lo mais uma vez. Meu corpo congelara, minha respiração cessara e a única coisa que consegui fazer foi chamar por ele. Não sei se foi a minha voz que o despertara, mas nesse momento ele abriu as pálpebras e as íres vermelhas me fitaram. E meu coração voltou a bater no peito.
Eu perdi a conta das vezes que aquele olhar fizera o meu coração voltar a bater. Na verdade, acho que meu coração ganhou vida no instante em que meus olhos cruzaram com os dele pela primeira vez. Naquele momento eu tive a certeza de que não só a pele do meu braço esquerdo seria marcada a fogo, mas também a minha alma pertenceria a ele para a vida toda.
Lord Voldemort nunca fora nada além de um poço de amargura e ânsia pelo poder. Mas eu também nunca fui nada além de uma mulher apaixonada que arrastava-se aos seus pés por efêmeros momentos de 'carinho' e migalhas de atenção. Por ele eu lutava e para ele eu me rendia. Somente ele conheceu o quão fraca era Bellatrix Lestrange e o quanto era semelhante a todas as outras aquela mulher escondida atrás de sua máscara de invencível, imponente e imaculável comensal da morte.
Quando abracei essa cruz, sabia que no céu não se aceitam pessoas que matam, que mentem e que manipulam. E não aceitam pessoas que não amam.
Embora árduo e difícil, o exercício das trevas sempre foi mais fácil que o exercício do amor humano. Torturar é mais fácil que acariciar e matar é mais fácil que conceber uma vida. E mesmo que quisesse, nunca fui capaz de gerar um fruto se quer. Meu útero nunca se desenvolveu para receber uma criança, talvez porque meu corpo sempre soube que ela jamais viria de um amor e jamais seria amada como mereceria.
O amor, assim como a devoção pelas trevas, leva as pessoas fazerem coisas imperdoáveis. Basta ver o que ele fez com Andrômeda e Sirius: Ambos jogaram o nome da família na lama. Ela por amar um nascido trouxa e permitir-se fugir com ele. Ele por abandonar a casa para ficar com a família de um amigo. Eu pude decidir o destino deles também. Embora não tive a chance de matar Andrômeda, Sirius Black e Nynphadora Tonks morreram em minhas mãos. Eu tive o prazer de cortar esses galhos podres da árvore genealógica da minha família antes que eles dessem continuidade a essa erva daninha que se alastrava pelos ramos puros da mais nobre familia Black.
Segui um caminho tortuoso e cheio de obstáculos. Atirei-me ao fundo do poço em busca de algo que não poderia saber se realmente encontraria. Por muitas vezes eu desejei a morte. Por muitas vezes eu quis que ela viesse me acolher em seus braços frios como eu achara que fizera com Crouch Jr. Mas eu sabia que aquele era o meu destino e que era a minha obrigação esperar pelo Lord das Trevas. E o pior de tudo era saber que eu sobreviveria. Eu sempre sobrevivia. Eu era forte e aquilo tudo iria passar.
Ele levou um ano inteiro para me resgatar daquele inferno congelante, mas saí de lá orgulhosa de mim mesma mais do que nunca. EU enfrentei dementadores, EU convivi aos ratos e baratas, EU passei quatorze anos sem experimentar magia e EU passei pelos piores pesadelos por ele. Tudo, TUDO por ele. E eu fui recompensada. E mesmo assim, a morte teve a audácia de zombar de mim da forma que fez.
Tinha a minha varinha apontada para o peito daquela dona de casa gorducha e sem nenhum poder em especial. As minhas maldições desviavam-se dela como se um escudo mágico a protegesse. Que habilidade aquela 'senhora' poderia ter para enfrentar uma comensal da morte treinada pelo melhor bruxo de todos os tempos? Tola que eu fui. Um dos meus maiores problemas sempre fora subestimar o meu adversário e foi por causa dele que permiti que a maldição da morte irrompesse de sua varinha e acertasse meu coração.
Por um milésimo de segundo eu soube o que tinha acontecido. E a última coisa que ouvi foi o grito de Lord Voldemort atravessar o salão principal até chegar aos meus ouvidos. Mas o grito pareceu distante e cada vez mais baixo. Escureceu-se a minha vista, silenciou o meu coração e sua marca em minha pele queimou mais uma vez. Pela última vez.
"Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura uma alma errante…
A caminho do céu?Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.
Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?…"
Morrer mais completamente ainda,
– Sem deixar sequer esse nome."

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